NA VERTIGEM URBANA
Era uma vez, uma viagem em balão,
como a do livro de Júlio Verne, só que já lá vão muitos mais do que oitenta
dias. Decorreram muitos anos desde que o ser humano iniciou a sua própria
demolição.
Não. Num balão vê-se o mundo de
cima e por isso, as coisas, não ameaçam querer cair a todo o instante em cima
de nós. Não, não é esse o caso.
Era uma vez, uma viagem de avião,
daqueles de grande porte, que apesar de toda a tecnologia, estão sem suporte no
ar, oscilam, tremem e descem ou sobem, a planar aparentemente. Esta, talvez
pudesse ser uma boa imagem, se não houvesse a característica, comum ao balão,
de ver o mundo de cima e não de baixo como as formigas, com a agravante de que
pairam poeticamente sobre as nuvens, e, naquilo de que quero falar dificilmente
entra poesia dessa com borboletas esvoaçantes, sol cálido ou passarinhos a
fazerem os ninhos. É mais como a trágico-comédia ou sátira do absurdo
quotidiano.
Era uma vez… Havia um marinheiro
que vivia no alto-mar e que por tal, para ele o desequilíbrio, passara a ser a
constante do seu estado.
Até podia ser. Mas não é bem
isso.
O dito, marinheiro, depois de
muito vomitar e temer a ausência de terra firme, habituou-se ao constante
bamboleio do barco, e, somente fica assustado nos dias de tempestade.
Não. Nesta situação que quero
descrever, até existe algo de habituação, mas o enjoo e o medo, são teimosos.
Então, como dizer que se flutua
com os pés em terra firme?
Tudo em redor é inconsistente.
Objetos quase fantasma.
O mundo parece virtual,
desmaterializado.
Pura física quântica?
Como um artista-plástico, que
besunta as telas com tinta, como se decalcasse esboços pré-desenhados, surgem
teimosamente figuras flutuantes, tantas vezes translúcidas.
O olhar transformado no
deambular, quase distante, bailado, mantém um ponto de mira incerto, mal calibrado.
Desfile frágil. Atropelos. Atropelam-se
pessoas e todos os obstáculos. O mérito está na agilidade.
A jornada urbana é encetada em
estratégia cautelosa.
Aventura fora de portas,
delineada sem porto de abrigo ou guarda-costas.
Caminhar apressado em sinuosos
percursos.
Apenas numa palavra cabe tudo o
que aqui exponho: vertigem.
Sim, porque se trata de uma
exposição. Como aquelas em que se colocam as obras nuamente, sujeitas à crítica
de quem as absorve.
Oscila a mente e faz com que as
coisas bambeiem.
Tudo se equalizando neste
cinzento-névoa esborrachado nas entranhas dos olhos. Não se pode distinguir se
é da multidão amassada ou da ansiedade da pressa.
Um sorriso amarelecido pelo conformismo
apresenta-se para um resgate em tentativas de slow down.
As imagens estranham-se das
formas e dançam nas luzes das noites.
Emoções insuportavelmente silentes,
tantas vezes agónicas, no pulsar ruido citadino.
Os passos cadenciam-se a ritmo
inconstante muito próprio do acrobata que se desloca, bamboleante, sobre a
rede.
Equilibrista de braços afastados
do tronco a percorrer o arame.
A surpresa inicial é substituída
por alguma rotina disciplinada e medidas de adequação.
Adaptações a uma nova forma de
viver?
Hábitos treinados como defesa, mas
os hábitos não fazem os monges, e, muito menos, acomodação ou simples
aceitação.
O mais inoperante é estacionar a
fobia. Ficar estanque ao medo.
Já não se sabe pular, nem trepar
árvores, nem dar cambalhotas, nem rebolar no chão. Destino: correr, andar num
baloiço de plástico.
Eterno de carrocel.
Rebolar-se lambendo terra,
arrancando erva com a boca é coisa que qualquer adulto que se preze, jamais
quer deixar de poder fazer, ainda que nunca o faça, pelo menos, por puro divertimento,
como acontecia na infância.
Ou terá sido, na antiguidade?
Quais as crianças inteligentes e sadias
que correm com a lógica de fugir da chuva?!
A lógica não devia subir mais que
das unhas dos pés?
O que aborrece é ter que fazer
algumas coisas, ditas importantes, convencionadas, como avançar uma poça de
água para não molhar os pés.
Que piada tem a vida se não se
puder saltar de chofre para um charco e estragar os sapatos acabados de
estrear?
Eloquências auditivas enervantes
enchem os neurónios.
Tudo é porta-voz de rugidos
pré-fabricados. Uma grande cidade é Babilónia temível.
Eram apenas sonoridades, mas
todas as paredes, se sempre tiveram ouvidos, agora, também ecoam vozes de
besouros gigantes.
O estado entre o pesadelo e a
loucura, faz com que os interlocutores obstinem cenhos franzidos pelo esforço e
os mais avisados esbocem cansaço, devido à intolerância.
Os rostos são fotocópias numa
expressão de desalento impaciente.
Chegar a casa. A casa, um ovo
protetor. Chegar a casa, resguardo das agressões externas como único e disforme
pensamento a latejar nas têmporas.
Em certos momentos a verborreia
alucina os que se auto-ouvem na ausência do diálogo. Outros, nem a si próprios
consentem, ouvir-se.
Troar de batidas do coração ou do
ronco arfado do pânico, desaguam na cadência plácida dos ansiolíticos.
Ecos, ecos, ecos, no meio da multidão,
como se um ruidoso sol amassasse o cérebro, com intolerante neurose de óculos
escuros nos espaços menos luminosos.
Com os olhos, rios húmidos sem
correntes, enegrecidos pelo esgotamento e atropelados pelas ideias, imagina-se
de que cor se pinta o tormento do tráfego e zunidos provocadores violadores do
espaço craniano.
Raiva é amarfanhada em locais a
abarrotar de silêncio envolvente, onde a serenidade pode apenas raiar. Conseguir
desligar dos ruídos e azedumes, por momentos, mesmo que, com pretextos banais,
torna-se uma necessidade.
Paradoxo: o incómodo dos pensamentos-ruído
que não largam os miolos.
Som do bulício citadino, próximo,
sem poder ser abafado pela ausência da vegetação, ecoa nos muros e nos prédios berrantes
de modernidade ou de paredes tão antigas como espessas.
O desencontro com a paz.
Prisão incondicional.
A mente inquieta num corpo
agitado em hiperatividade inútil, vezes demais, angustiadamente apático de
desmotivação e hipoatividade provocada pela insegurança.
Indisposição indefinida.
Espasmódica. Aturdimento? Cabeça cheia? Cabeça vazia? Medo das ressonâncias
interiores e exteriores, da náusea, do fastio, da tontura, do desequilíbrio, das
quedas em fossas de desespero.
Arriscar no fator sorte, como
única solução.
Nos reclames luminosos, as letras
constroem um bordado de arabescos que não se deixam ler e que o tédio nem quer
ler.
Num automóvel, de autocarro ou de
metro, é sempre uma aventura tão pouco entusiasmada como enervante
O percorrer do horizonte, será
sempre uma viagem desejada, de magnífico alongar do olhar sem impedimentos.
Caminhada das gentes em ponto de
cruz, fora de qualquer linha reta, num ziguezague embaraçador, absorto,
distraído do rumo.
Egocêntricos que, de olhar
periférico, fazem a sua rota sem convicção.
Características que não andam
muito distantes das pessoas com autismo, com a diferença essencial de que, ao
que consta, aquelas autoestimulam a sensação de vertigem e não a temem.
Os auscultadores onde os decibéis
vibram, isolam, e neste mundo são as armas de defesa de vanguarda.
Rotina. Caminhos diversos para
chegar ao mesmo destino, mas estudar bem as rotas da autonomia e quando
conhecidas obstinar em não sair delas.
Ruas que ganharam contornos de
inimizade.
Kit mãos-livres. Braços em
prontidão para qualquer eventualidade. Homens-polvo interativo, com a
agressividade em riste.
Expressões de fácies, ora de Mona
Lisa, ora de Madalena arrependida, ora de um qualquer pitosga de olhos perdidos
em minúsculas.
A diferença é que vêm, mas não
olham, não sabem de que devem arrepender-se e têm a mona pouco lisa. Crescem
papos de faz de conta, forçados pelas turbinas da cabeça.
A sensação de voar em asa-delta,
é permanente.
A verdade é que ninguém consegue
ter os pés totalmente assentes no chão quando usa sapatos que também conseguem
moldar as rotas dos sonhos.
Será normal? - “sim, sou muito
louco…não me vou curar…mais louco é quem o diz e não é feliz”, canta o Ney
Matogrosso.
Normal?
Que é isso, senão um dado
estatístico de referência útil?!
A viagem cumpre, pressionada pela
esperança, as medidas agridoces da compaixão.
Encarnar da cobaia em novo
experimento anti exclusão.
Continuação da catarse para não
sucumbir.
A pista está cheia de obstáculos
aos objetivos.
Na matriz pautada por pretensa
coerência flexível, não se conseguem arrumar todos os espaços em aberto e mal
resolvidos.
Pensamentos a boiar sobre rolhas
de álcool em águas de esgoto ou folhas cujos rabiscos foram apagados com uma
borracha e deste modo mal se definem.
Primar pela teimosia resistente
ou pensar no branco. Pensar em nada. Vazio. Onde não há nada, não há incómodos
nem dores.
As dores do mundo. Agonia
constante qual zumbido repetitivo e insolúvel. Uma tristeza com as medidas do
infinito. O desistir em eminência. Avestruz!
Dormir. Dopagem, como único
apaziguamento de umas horas. Fumar no ocupar das mãos. Ócios de intoxicação. Quem
disse que a lógica impera!?
Viver ao sabor da vertigem. Isto
não é uma figura de estilo literário, é antes, a uma realidade do quotidiano.
Tentar sobreviver, dá noção de
autoeficácia e por tal de autoestima. Apurar da resiliência que por vezes
falha.
Procurar desvalorizar os sintomas
da náusea universal e indizível. Na sofreguidão do belo, o antídoto.
Se a cabeça fosse uma caixa de
música, dava-se corda tão só quando se pretendesse ouvi-la e tocaria apenas
alguns minutos.
Vidrado encantamento, no dar
corda para um ouvir condicionado pelo cronómetro de uma caixa de música.
Uma daquelas bolas, tão pirosas
com deliciosas, onde, quando agitadas, flutuam imitações de flocos de neve, e apoiada
numa base, igualmente encantadora e inestética, de onde pode emanar uma valsinha
ridícula.
Sugar este som com algum consolo.
A gravidade de um tamanho abissal
encharca tudo e chega a cheirar a pântano.
Passam-se vidas na espera de
olhar estrelado.
Afastar do peso entranhado, na dinâmica
de felino com equilíbrio invejável.
Porém, o peso, sempre a gravitar.
O néctar duma chuva tépida sobre
os fumos ou uma brisa morna, cheiram a ungento anti stress. As tempestades
diluvianas, guardadas nas memórias ancestrais, fazem absorver como uma esponja,
doses de energia tsunâmica.
Os ecos que se ouvem, são resíduos
de vivências musicadas quase esborratadas e deturpadas pelo tempo.
A cidade ouve ressonâncias da
própria voz, no seu sistema de som avariado, onde se perdeu a estereofonia com
múltiplas interferências urbanas.
Apenas espaço feito necrose.
Torto. Distorcido. Pelo menos a mente, deve seguir caminhos tortuosos, daí o
desequilíbrio.
Pessoas-caracol. Recolhimento na
concha a cada aviso de perigo eminente.
Indecisão. A semelhança, será
maior, com o louva-a-deus, temente de quebrar as pernas delgadas que suportam o
volume do corpo, naquele balançar para a frente e para trás, como quem se
arrepende a cada passo que dá.
Ao cair das tardes, o refugiar do
cansaço em paisagens preferencialmente desérticas, por vezes criadas, não mais
que, na imaginação.
Olhar para dentro. Escutar-se.
Fugir do próprio corpo, como se este fosse um uniforme vistoso e incomodativo.
Algo exterior a si. Um esquema corporal adulterado. Invólucro coersivo,
castrador do fluir da atividade com espaço e com tempo.
Imaginar o que sentem as bestas
quando são carregadas com fardos de pertences que não lhes pertencem. Os
animais e também os homens-escravos do mundo.
Talvez por isso e pelo quase calar
do intimismo, se consegue um abraço apertado ao dia e alienar tudo num riso,
necessário como um arroto, sorrindo ao discurso interno, falado em surdina enquanto
se tateia entre os vultos compactos.
O silêncio encolhido no seio de
um quarteirão da urbe, transmuta o deslocar, que perde a segurança neste lugar,
e depois, já não é possível num qualquer outro, nem mesmo dentro de casa, pelo
hábito.
Há quase sempre um coxim de
sedas, que protege e salva das quedas sem aviso. Os cúmplices. O sonho. Estado
de vigília em que a memória funciona como durante o sono, esquecendo parte do
que sonhou.
Ficar com a vista esquecida num
átomo do mundo, sem pensar em nada digno de ser recordado. A sensação de alívio
de uma sesta tranquila.
Nenhum sinal de mau tempo a
impedir de usufruir deste espaço mágico, onde a agitação também se dilui. Os
alarmes e as buzinas perdem terreno no alheamento. Só a mediocridade inibe este
grande privilégio.
Encubar num reflexo de defesa
animal.
Desenhar uma cortina de fumo de
trama negra, cheia de incógnitas.
Barquitos à deriva que com tantos
sinais e tantos faróis não descortinam nenhuma hipótese operativa.
Super-heróis batalham com as
sirenes e os exaustores que guincham corrosiva e permanentemente nos seus
ouvidos.
Enfrentam estoicamente o tráfico
citadino.
Sempre a esboçar fáceis sorrisos,
à laia de desculpa, pelo embaraço da existência trôpega. Esforços caricatos de
sobriedade. Recurso muitas vezes evitável.
Agarrar os peões, jamais!... para
não os assustar com o tato.
Que pecado não tocar o
desconhecido!
Os passos que pisam atrás das
sombras são semáforos fundidos. Há que abrandar, a pontos de parar a marcha,
para permitir a ultrapassagem sem acidente por atropelo.
Pequenos e supostos radicalismos
urbano-depressivos.
Nestes dias de vertigem, sair de
casa é um ato radical.
Automóveis. Um luxo que desfila
na atualidade e convenhamos que é um vício tão difícil de largar como qualquer
outro.
Perigo real no aturdimento constante
de descair. Como aquela perceção errada, ao viajar de comboio, de que são os
elementos da paisagem exterior, que estão a andar.
Sonhos colocado na prateleira dos
arquivos mortos, talvez utopia. Mesmo assim, a alegria pendura-se aos
sobreviventes, torneando o desconsolo com o prazer.
Depois, morrer de agastamento
entre sorrisos atirados para o ar.
Sem sacrifício. Coisa de raros
momentos de ausência de sadomasoquismo.
Um grito de timbre forte ou prosseguir
em estado de cama. A mosca quando lhe põem inseticida, cairá estonteada pelo
prazer?
Terapia de relaxamento. Sempre
morna de música cinzenta, monótona, mono tónica, quem sabe irónica, da mesma
maneira que irrita uma voz, monocórdica, que quase nunca se desnuda, face a uma
discussão.
Apesar disso, para alguns, o
ensaiar deste último tipo de expectativa é benfazeja como uma prescrição médica.
Que seca! Qual relaxamento!?
Frustração, sim! Uma sombra na sombra. Quase que outro ser.
Voltando aos óculos de sol. Esconderijo
de traiçoeiras olheiras da insónia e dos temores que afastam o sono, numa
salvação mascarada daquela péssima autoestima que, nestes agoras, prevalece.
Um sem número de vezes, fechar os
olhos, é um ato temido, apesar dos antidepressivos de recurso, contra a queda
em banho de imersão em pesadelos.
Pormenores ridículos mas que viraram
o dia a dia, do avesso.
A insegurança, a ansiedade, o
pânico são os familiares mais próximos disponíveis.
Sem raízes. Literalmente. Viver em
cerca de uma dúzia de cidades, faz parte do currículo.
Por opção, por curiosidade. Porque
a rotina altera emocionalmente tanto, como as mudanças perturbam.
Treino no dizer adeus. Desvinculação
padronizada. Privar de afetos contagiosos.
Pronto! Já cá faltava a canção do
desgraçadinho!
Qual drama qual carapuça! Porém
não se livram de slogans, porque a educação pode ser rígida, com barreiras
intransponíveis a grande parte dos ideais, ou apenas, a algumas ilusões,
entusiasmos.
Autoestrada livre. Atenção!
Atenção! Socorro! – ninguém repara, há mais que fazer.
Por estranho que pareça como não
havia obstáculo para apoio, deu-se o despiste! É a falta de treino para
vagabundear em espaços abertos.
Caminhada invadida por cálculos e
pontaria de obstáculo a obstáculo, o que quer dizer, que entre um carro do lado
esquerdo e um poste mais à frente se encontra um vazio de muletas.
Um carro estacionado tornou-se um
precioso ponto de mira e ponto de apoio, uma ajuda indispensável ao serpentear
por um passeio, entre as paredes das casas e a berma (um verdadeiro precipício!)
A fartura de amizades esvai-se no
tempo e na indisponibilidade.
Subtraem-se preciosamente nas
pontas dos dedos, procurando segurá-las com laços azul índigo. São, pelo menos,
vozes de cumplicidades, ecoam e são imensas.
Quando as crises de pânico não
espreitam, sempre que os mares estão mais calmos, o embevecer soa a música,
ritmando passos que qualquer vertigem achará atrevidos.
Subir um cavalo e galopar por uns
minutos de exultação! Um enorme esforço de fazer o inesperado numa situação de
demolição.
Infelizmente aprende-se, sem
aconchego e de modo imoral, não tanto,
pelo que calhou bem, mas por aquilo em que se errou.
A falta de formalismo, aquele
misto de poeta com laivos de pseudoartista, só é eventualmente, perdoada tendo
como moeda de troca, o empenho e alma apostada.
Incomodar com uma frontalidade
pouco cautelosa, é confrontação necessária à preservação da espécie.
Inominável capacidade de
desconstrução da arte, onde caem todos os desabafos.
Fantástico privilégio de, depois
de muitas revezes da vida, e, vários agoiros se poder escolher a profissão para
a qual, alguma pessoa se sente realmente vocacionada. Esta palavra existe no
dicionário, mas nem toda a gente, tem a sorte de poder usá-la.
Apenas, poucos a podem usar. Para
muitos, viver é fazer umas lecas, alguns continuam por descobrir a sua
finalidade e a maioria acredita na salvação pós-morte.
Qualquer que seja o trabalho que
se arranje, deve ser exercido com profissionalismo, não!? Se for ensacar
batatas, isso terá que ser executado com toda a nossa perícia. Ninguém tem
culpa de que outrem esteja na profissão errada, seja lá pela razão que seja! Se
não é vocação, não é! Tem que ser é profissionalismo!
Fazer da forma que melhor se
consegue. Assim rezam os cardápios.
Vocação? E se for puro
egocentrismo? Escolhe-se uma profissão humanitária e passa-se eternidades a
ouvir-se o que se quer ouvir. Dizem que se é extraordinário, por fazer algo que
outros acham não serem capazes de desempenhar e o ego, ufana!
Por outra parte, no caso de outros,
ainda a coisa fica mais dúbia porque a compensação socio-afetiva recebida
preenche numerosas lacunas.
Vale para quase tudo? O mais
árduo é não se mentir a si mesmo.
Para isso, era preciso que um
autoconhecimento na íntegra, mas é aí que reside o enigma humano. Nunca alcança
a essência. Por tal, há sempre uma desculpa para a autoilusão e ainda mais
facilmente enganar os outros. Pese embora a construção do eu depender da
existência do outro, diz-se.
Calar e consentir? Coerência, não
significa nunca mudar de opinião, mas talvez, dar a cara a todas essas
ambivalências que caracterizam o ser humano. Se fosse na pintura seria, não
usar velaturas.
Acreditar, convicção sem peias.
Em…?
A vertigem na urbe é tal que tanto
cria latidos de revolta como aquelas vozes monocórdicas que não sabem gritar.
Educadas.
Treinadas. A precisarem de dar
uns uivos à laia de desabafo. Assim, podem ser como uma panela de pressão a que
se esqueceram de tirar a tampa, ou como aquela sensação, que também sufoca
constantemente, de tampão nos ouvidos. Sensação comum à maioria dos mortais,
momentaneamente, quando mudam de altitude.
Ora se tenta dar oportunidade ao
calar da voz e dos pensamentos, ora ao contrário se pavoneia uma sabedoria, que
só serve a vaidade de cada um.
Falar ao mesmo tempo que pensar,
isto é, antes de pensar no que ou deve dizer-se, verifica-se quase sem
oportunidade.
É PRECISO SER RÁPIDO, OU PERDE-SE
A VEZ.
Verborreia. Evidentemente, nestas
alturas, a par da grata espontaneidade, a insignificância assenta como uma
luva.
Satirizar pavlovianamente. O
treino da independência aparente e defender aquilo em que acredita.
Ora, isso da independência, no
que respeita à autonomia, desde há uns anos, está comprometido exalando bafos
de invalidez. Uma charada de dependência mútua.
Liberdade fustigada, ora por
ventos de intempérie, ora por leve brisa com aroma de maresia, sempre a tentar
manter-se presa ao chão, ao invés de voar.
O arrastar por subterrâneos do prazer
indispensável.
Investimento em fonte segura, tal
o dispêndio de energia que exige a palavra felicidade. Tensão das relações e
exigências sociais comuns desgastam até às entranhas da mágoa.
Parar. Tentar o autoexame.
Vasculhar e descobrir o paradeiro dos mais pequeninos sonhos.
Atónita escuridão, a incapacidade
total para os reencontrar de tão entrapados e sumidos que estão, no tem que ser
e no esgotamento.
Opiniões divergentes. Conselhos
primorosos.
Extenuar incapaz para raciocinar,
lançamento numa derrota abrupta.
Os heróis, na sua maioria, morrem
com glória póstuma. Os derrotados, entregam-se e salvam a pele. Lúgubre, mas um
facto, um fato tingido de pardo cobardia.
Parar como medida paliativa.
A intuição faz acenos com a mão,
sugerindo um colchão com o lençol opaco da espera.
Impotência perante qualquer atividade
ou ócio. Comer pão seco colocado estrategicamente, perto do sofá, só para não
haver o incómodo de lhe ir colocar a manteiga. Nem ler. Nem ver televisão, nem
computador, nem ouvir música. Nada.
Só cansaço e sono induzido, repleto
de insónia, albergue de sonhos terrificantes frequentes.
Agora morre-se e nasce-se todos
os dias, construindo maquetas de novos e afáveis momentos de consolo.
Incrível restauro dos dias de
tréguas, os prémios breves que são os momentos de alegria, quando esmorecem as
ideias confusas.
Perscrutando desejos antigos um
tanto bolorentos, mas, ainda não descartáveis.
Emerge a leveza, em algumas
horas, no apaziguamento das emoções.
Sem grande convicção, revive, onde
garatujas de ideias soltas se escrevem com o esforço de quem desenha as
primeiras letras.
A promessa de abertura para
deixar o círculo umbilical.
Ressuscitação efémera quando uma
primavera autoriza o cansaço a prestar provas.
Há pessoas que a partir de
determinada fase da sua vida assumem que não têm que provar nada a ninguém, a
não ser a elas próprias, se, se derem a este magnânime trabalho de aprumo, sem
usar de autocomiseração.
É uma espécie de birra que vai
crescendo com a idade, contra tudo o que foram obrigadas ou induzidas a cumprir
a pouco gosto.
A palavra educar foi inventada
para inibir os impulsos naturais. Um pacto social exigido para controlar a fera
que existe em nós, e, por outro lado, uma castrante forma do potencial genuíno
que cada um tem.
Se há coisa que se beneficie ao
contactar com pessoas de diversas culturas, é o facto de se aprender a
dispensar, um sem número de salamaleques e mesquinhices geradas pela futilidade
de alguma da etiqueta sociocultural.
Há normas essenciais para a vida
em comum, para controlar o nosso natural egoísmo.
A solidariedade devia ser uma das
primeiras da lista que, pelo estado do mundo, se pode ver que tem sido muito
mal aprendida ou ensinada.
Teoricamente insustentável? As
filosofias valem o que valem para quem as escreveu.
Brotam pensamentos, que emaranham
as emoções, não raro, coloridas de sarcasmo e não azedume.
A curiosidade estimilada pela
publicidade, puxa para um sem número de assuntos que não servem de conversa com
ninguém, de tão estúpidos, insignificantes que, na sua maioria, são.
Aleatória concentração em pormenores,
que não lembram ao mais pintado.
Já não há pachorra para dissertar
coloquialmente, seja sobre o que for.
Ecofobia sempre eminente. Desorientação
generalizada.
Rodar 90 graus. Ajuste da direção.
Agora é mais difícil. Rodar 180º.
Com a sensação de vertigem que
estes movimentos dão, é prioritário, não tentar fechar os olhos, como a
experiência diz, porque é bem provável o desequilibrar e o perder do rumo, mais
prontamente.
De onde se vem, afinal? O que se
quer?
Se pode ser verdade que a
curiosidade mata, também, é obvio, que vai morrendo com o tempo, de morte
lenta, eutanásica.
Interlúdios de vida, um não quer
saber de nada. Há dias em que o saber ocupa tanto lugar que só resta espaço
para a indiferença.
A vida em stand by da crisálida no casulo a aguardar
o nascer tardio das asas.
Depois renascer, sentar-se ao
lado da infância e não sair da idade dos porquês.
texto de Mirandulina
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